De Rina Mazzocchi (veja também sua viagem por uma trilha inca no Peru)
“Tudo começou nas férias escolares de inverno. Sempre chega aquela pergunta: “O que fazer com as crianças (Gabi 12, Pietro 14)”? Viajar para fora está muito caro, viajar para o Sul é frio, o Nordeste está lotado. Eis que minha querida amiga Simone (companheira de trilhas e aventuras) surge com a proposta de fazer a Travessia dos Lençóis Maranhenses. Travessia de onde? Lençóis? Maranhenses? E eu que nem sabia que dava para atravessar a pé. Mas aventureira que sou, falei com o maridão e topamos na hora.
Passei por um momento delicado de crise adolescente de minha filha mais nova – o que me incentivou ainda mais a entrar nessa barca. Meus filhos viajam desde muito pequenininhos, já ficamos em muitos resorts, lugares bacanas, mas o que curtimos mesmo é uma boa estória para contar, um perrengue para superar, uma caminhada para cansar, um pôr de sol de arrepiar. Então juntamos os badulaques e partimos.
Éramos eu, marido e dois filhos; minha amiga Simone, marido e dois filhos; mais a galera gente boa que conhecemos por lá, a Sandra, uma jovem garota de 60 anos apaixonada pela vida e por desbravar o mundo através do trekking; a Heive, uma paraense arretada e falante que só, nos rendeu muitas risadas (arre égua); a nossa guia Nanda (Ecotrilhas), e o guia local (que veio ao mundo com um GPS embutido), o garoto sangue bom nascido e criado na Baixa Grande, no meio dos Lençóis, filho do Mano e da dona Loza, o Manuk Silva.
Primeiro dia:
Estávamos hospedados na praia de Atins e a jardineira (espécie de pau de arara 4X4) veio nos pegar por volta de 4h da manhã. Depois de rodar por quase uma hora pela areia à beira mar, nos deixa em algum ponto escuro, perdido… Descemos com nossas devidas lanternas de cabeça e começamos a jornada. Andamos, de saída, com papetes, tênis, sandálias, chinelos, mas rapidamente (e instruídos pela guia) descobrimos que a melhor forma de encarar aquele trajeto era de meia. Pois é, só de meia! Aliás, que satisfação passar o dia inteiro andando de meia sem culpa.
Vimos nosso primeiro nascer do sol na areia. Nesse momento, a praia sumiu e as dunas foram tomando forma. Lembro muito do silêncio, da calmaria que é aquilo tudo, assim caminhamos, caminhamos, caminhamos… Quando o dia amanheceu já tínhamos feito alguns quilômetros, mas tínhamos muito mais pela frente.
O sol nas dunas é forte e castiga, o primeiro dia cansa, nos faz querer desistir, mas dali a pouco surgem aquelas lagoas verdes, azuis, de água tão doce e cristalina que nem dá para acreditar que foi só a chuva que fez. E a gente mergulhava de roupa e tudo, já que o vento faz secar rapidinho. Andamos, conversamos, rimos muito, lanchamos, os meninos desciam aquelas dunas imensas (chegam a 40m de altura) rolando até cair no lago, juro que fiquei tentada. E assim o tempo foi passando até que, depois de quase oito horas de caminhada na areia (cerca de 23 quilômetros), surge, lá no meio do branco, aquele verde, de repente uma trilha, um pequeno manguezal e chegamos no primeiro povoado, a Baixa Grande.
Lá, fomos recepcionados pela mãe do Manuk, com um sorriso enorme e cheia de carinho para oferecer. Tomamos um banho, trocamos aquela roupa suada e fomos saborear a galinha caipira local. Depois foi aquele soninho gostoso na rede, ler um livro à sombra do cajueiro, ficar de preguicinha até o sol ir sumindo devagar lá no fundo da lagoa. O gerador liga lá pelas 7h da noite e desliga às 10h, é o tempo de jantar, jogar um carteado, uma conversa fora e aí vai dando aquela moleza, e cada um vai se aconchegando na sua rede, até o breu absoluto e o silêncio da noite. Porque o dia seguinte começa cedo.
Segundo dia:
Deu para acordar mais tarde, às 4 horas a nossa guia já estava gritando: Ânimo!!!! E o povo, bem devagar, com a luz da lanterninha foi se preparando para a nova etapa, depois do café da manhã. Nesse dia a caminhada foi mais curta, cerca de 12 quilômetros mas, na areia fofa e com o sol fervendo, dá uma canseira que parecem 30. Mas como no dia anterior, depois de dunas, subidas, descidas, banho em lagoas cristalinas, eis que um oásis aparece no meio das dunas, e chegamos a Queimada dos Britos. Dessa vez, quem nos recebe são as duas irmãs (gêmeas que não são gêmeas) Rosa e Alice. Simpáticas que só, servem um peixinho frito de dar água na boca, a galinha caipira sempre presente, temperada com muito gosto.
Tive um momento mágico, quando minha filha foi chamada pelas crianças locais para brincar. Um tempo depois voltou, e com os olhinhos brilhando, me contou sua experiência, o quanto elas eram fofas, alegres, espertas e educadas. O brinquedo predileto eram as cabrinhas e lamentou não ter trazido nenhum presente para distribuir ali (ela tinha separado uma caixa de lápis de cor, mas esqueceu). Acho que aquele momento já valeu minha viagem. Depois, seguimos novamente para o sossego, a contemplação, a calmaria e o dolce far niente. Até o sol se pôr e irmos para a rede. O terceiro dia começava muito cedo.
Terceiro dia
Acordamos à 1h30h (pasmem), tomamos café da da manhã (isso mesmo) com um bolinho gostoso, preparado com carinho, pelas irmãs sorridentes que nos saúdam ainda vestidas com suas camisolas. São 2h da manhã e já estamos iniciando a jornada mais que especial: esse é o trecho da paisagem mais deslumbrante, as dunas mais altas e as lagoas mais verdes. É incrível começar a caminhar de noite, com o céu estrelado e muitas estrelas cadentes pelo caminho. Lá pelas 5h30, o nosso guia Manuk nos leva até o alto de uma duna. O sol começa a surgir, mas não é um nascer do sol qualquer: estamos no meio dos Grandes Lençóis, um espetáculo único, uma bola de fogo laranja que foi se espalhando e mudando a cor do lugar e conferindo ainda mais emoção àquele momento mágico.
Caminhamos mais e mais, foram outras 8 horas em um tobogã, dunas que subiam e desciam, ouvindo o som das gaivotas que davam rasantes e gritavam protegendo seus ninhos espalhados pela areia. Até que, por de trás de uma grande duna, o gran finale: uma lagoa imensa, verde esmeralda, para refrescar até o fundo da alma. Lá ficamos por algum tempo relaxando, até que vimos chegar a “jardineira” que nos levaria embora daquele lugar. E assim partimos para Santo Amaro.
Algumas coisas que aprendi por lá:
_ Na Baixa Grande não tem luz, também não tem internet, não tem celular, não tem música alta nem televisão. E você precisa disso?? Juro que não! Esse foi meu grande insight, bater papo sem compromisso, desacelerar, ler meu livrinho, contemplar, NÃO FAZER NADA, e ficar muito feliz assim.
_ Dormir na rede é uma delícia, você vai encaixando e pronto, dorme a noite toda.
_ Éramos o único grupo de “brasileiros” passando por aquele lugar, cruzamos com dois ou três grupos de franceses, e só. Também me impressionou muito sermos os únicos seres humanos da terra, naquele momento, a pisar aquele solo naquela imensidão, uma sensação única.
Antes de chegar no Maranhão, ficamos 10 dias pelo litoral do Ceará, passando por Jericoacoara; pelo Piauí, passando por Barra Grande, ficando em bangalôs à beira mar, hotel de charme no Delta do Parnaíba, lugares lindos e confortáveis. Mas se você perguntar aos meus filhos como foi a viagem, eles imediatamente começarão a falar dos Lencóis, das experiências que tiveram, as estórias de assombração e das noites enluaradas, que passaram nos redários”.
adorei, sou louca para conhecer!
recomendo a vcs o parque do Jalapão no Tocantins ,lugar mais incrivel que ja fui (em 2011) na vida e olha que já viajei bastante! foi um divisor de aguas para mim.
Tb tem ponta de Santo Andre (povoado onde se hospedou a seleção alemã daquela fatídica copa do mundo…) no sul da Bahia na pousada que tem o Rio na frente e o mar atrás e só se chega de barco